quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Do imaginário para o prático resta deixar de ser estático...



Vida Real e Actividade Intelectual

O que, em última instância, importa para o nosso bem-estar é aquilo que preenche e ocupa a consciência. No geral, toda a ocupação puramente intelectual proporcionará, ao espírito capaz de a executar, muito mais do que a vida real com as suas alternâncias constantes entre sucesso e fracasso, acompanhados de abalos e tormentos. Decerto, no entanto, para tal ocupação já são exigidas disposições intelectuais preponderantes. Além disso, deve-se observar que, assim como a vida activa voltada para o exterior nos distrai e desvia dos estudos, retirando do espírito a tranquilidade e a concentração necessárias, a ocupação espiritual incessante também nos torna mais ou menos inaptos para as agitações e tumultos da vida real. Dessa maneira, é aconselhável suspender inteiramente tal ocupação por algum tempo, quando surgirem circunstâncias que exijam de algum modo uma actividade prática e enérgica.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

Frase do dia...Georges Bernanos

" A partir de certa idade, a glória chama-se desforra"

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Hipócritas amem-se!

A Hipocrisia do Amor-Próprio
A natureza do amor-próprio e deste eu humano é de só se amar a si e de só se considerar a si. Mas que há-de fazer? Não saberia impedir que este objecto que ama esteja cheio de defeitos e de misérias: quer ser grande e vê-se pequeno; quer ser feliz e vê-se miserável; quer ser perfeito - vê-se cheio de imperfeições; quer ser objecto do amor e da estima dos homens e vê que os seus defeitos só merecem a sua aversão e o seu desprezo. Este embaraço em que se encontra produz nele a mais injusta e a mais criminosa paixão que é possível imaginar; porque concebe um ódio mortal contra esta verdade que o repreende, e que o convence dos seus defeitos. Ele desejaria aniquilá-la, e não a podendo destruir em si mesma, destrói-a, tanto quanto pode, no seu conhecimento e no dos outros, isto é, põe todos os cuidados em encobrir os seus defeitos, aos outros e a si mesmo, e não suporta que lhos façam ver, nem que lhos vejam. É sem dúvida um mal estar cheio de defeitos; mas é ainda um mal muito maior estar cheio e não os querer reconhecer, visto que é acrescentar-lhe ainda o de uma ilusão voluntária. Não queremos que os outros nos enganem; não achamos justo que queiram ser mais estimados por nós do que o que merecem: não é portanto justo também que os enganemos e queiramos que nos estimem mais do que merecemos.
Assim, quando só descobrem imperfeições e vícios que nós com efeito temos, é visível que não nos prejudicam, visto que não são eles a causa dessas imperfeições, e que nos fazem um benefício, por nos ajudarem a libertar-nos de um mal, que é a ignorância das imperfeições. Não nos devemos zangar porque as conheçam, e porque nos menosprezem: sendo justo que nos conheçam pelo que somos, e que nos desprezem se somos desprezíveis.
Eis os sentimentos que nasceriam de um coração cheio de rectidão e de justiça. Que devemos portanto dizer do nosso, quando nele encontrarmos uma disposição completamente contrária? Pois não será verdade que odiamos a verdade e aqueles que no-la dizem, e que gostamos que se enganem com vantagem para nós e que queremos ser estimados por eles por sermos diferentes daquilo que com efeito somos?

(...) A vida humana é apenas uma ilusão perpétua; o que fazemos é enganar-nos e iludir-nos mutuamente. Ninguém fala de nós na nossa presença como na nossa ausência. A união que existe entre os homens é fundada sobre este mútuo embuste; e poucas amizades subsistiriam se cada um soubesse o que o seu amigo diz dele quando não está presente, ainda que ele fale então sinceramente e sem paixão.
O homem é apenas disfarce, engano e hipocrisia em si mesmo e para com os outros. Não quer que lhe digam a verdade e evita dizê-la aos outros; e todas estas disposições tão afastadas da justiça e da razão têm uma raiz natural no seu coração.

Blaise Pascal, in "Pensamentos"

Frase do Dia...Charles Baudelaire

"O homem que só bebe água tem algum segredo que pretende ocultar dos seus semelhantes"